Saga dos Prodígios
domingo, 12 de agosto de 2012
DE VOLTA À TORRE AZUL
O Episódio 27 surge após tantos meses de espera...
O CINTILAR TRANSLÚCIDO DO FOGO AZUL quase ofuscou as retinas de Euro, mas ele continuava olhando. Não se cansava de admirar o artifício engenhoso da meio-irmã. Berya segurava o pequeno cubo de cristal anão na palma da mão esquerda, e com a direita, manifestava um facho de fogo azul, lançando labaredas que estavam entre o fulgor de uma chama e a fagulha de uma armachoque, e que perturbavam a consciência do kobold.
Era um kobold menor, encerrado num cubo bastante reduzido, e de potencial ainda mais reduzido; mas deveria dar as informações que os Prodígios queriam. Lá fora – fora da Torre Azul – a cidade estava semideserta, e Azif fizera questão de evitar os poucos que ainda vagavam pelas ruas, tinha certeza de que seriam perigosos, coisa que Euro e Charya concordaram de imediato. E ali estavam, após esquadrinharem aposento após aposento, encontrando tudo devastado.
O meio-neander, ao contrário dos outros três Prodígios, tinha uma noção mais nítida do que Berya fazia ao cubo cristalino – aquele objeto mínimo era bastante similar a certos itens do povo neander, que estavam na fronteira entre objeto e animal de estimação. Tinham um mínimo de autoconsciência e Euro também sabia que seu uniforme-paradoxo estava permeado de fragmentos de cristais como aquele, embora ainda menores. E o fogo azul às vezes irrompia em certos locais das cavernálias de seu povo, assim como em certos descampados do Ermo. O estímulo daquele fogo fazia os cristais falarem – falarem na mente daqueles próximos, como se compartilhassem do dom de Charya. Expondo o cubo ao clarão do fogo azul, Berya esperava conseguir mais pistas do que havia acontecido ali.
Até agora tem se mostrado impassível, pensou Euro. Ela foi responsável pela morte de vários cadáveres que estão largados pela Torre. Sentiu quase um calafrio ao lembrar-se do rosto imperturbável de Berya quando encontraram o corpo do pai dela, Judaas Mordekai – rasgado por duas espadas gêmeas, e queimado pelo fogo azul. Mas é impossível que seja responsável por toda a mortandade... e a tearcuba de Mordekai não está mais aqui. Euro não tinha ideia do que, exatamente, aquela tearcubadeira poderia fazer – gerar uniformes-paradoxo em série? Criar uniformes singulares como o da Paradoxo Azul... e o dele? As tearcubas do povo neander praticamente só geravam os paradoxos amarronzados, cor de terra, e aquilo fortalecia a uniformidade dos neander, quase transformava-os numa colmeia. Euro ficou a divagar sobre o quão diferente seria a vida dos neander sem os uniformes-paradoxo; talvez houvessem sido extintos uma segunda vez.
A alcova onde os dois Prodígios estão é pequena e está atulhada de coisas quebradas. Alguém andara fazendo uma busca violenta pelos quartos e salas e alojamentos da torre, e aquele cristal cúbico era, por assim dizer, um sobrevivente do saque. Poderia ter muito a dizer, como poderia não dizer nada de útil. Mas valia a pena o tempo do procedimento – e enquanto isso os outros três vasculhavam o resto da torre.
No andar de baixo, Dova, Azif e Charya procuravam por mais indícios de quem havia roubado a tearcubadeira. “Quem sequer saberia a utilidade da tearcuba?” comentou Azif, intrigado. “O povo comum da cidade dificilmente reconheceria esse aparato. E na verdade entrar na torre daria azar, o lugar onde sacerdotes morreram e não foi consagrado em menos de três dias é sempre evitado. E os sinais aqui indicam que a invasão ocorreu depois desses três dias, pelos meus cálculos. Quem fez isso não ligava para os costumes religiosos da Terra Castanha.”
“Considerando que a cidade passou por uma guerra civil religiosa, acho que os únicos que ousariam profanar o lugar seriam bandoleiros atraídos pela miséria do Nomo das Torres,” afirmou Dova, com o olhar tristonho. “E também...” interrompeu suas palavras.
Sem recorrer à telepatia que estava usando antes – a quebra do elo mental havia exaurido um tanto sua mente – Charya perguntou, “E também o quê? Vamos, diga logo...” Por dentro, pensava que não seria nada, mas indagava por desencargo de consciência. O que Dova saberia de bandidos de estrada?
Mas foi Azif que respondeu. “Dalai tsu,” atalhou como se houvesse sido atingido por um relâmpago ou tivesse a ideia do século. “Eles não consideram certos costumes da Terra Castanha e a proibição de lidar com cadáveres desconsagrados é um deles.”
Dova falou, agastada: “Sim, foi isso que pensei. Mas pelo que sei, a única dalai tsu viva num raio de quinhentos estirões. Não fui eu,” riu sem graça, “logo devem ter sido mesmo bandoleiros.”
“É verdade...” desanimou-se Azif. “Mas, desculpe, Dova... não quis insinuar que sua família estaria por trás do roubo.” A Prodígio Branca pensou consigo, antes você falava mal de minha família. Agora tem mais tato... ou quase isso.
O pensamento de Dova vagou no ar e, pela primeira vez, Charya ouviu em sua mente o que outra pessoa estava pensando, e sem que uma mentaligação acontecesse antes. Empolgada, quase contou aos dois o que havia acontecido, mas preferiu manter-se calada. Talvez haja coisas que eu tenha que ouvir e esconder dos outros; melhor que eles não saibam que isso começou a acontecer. Charya atinou que, embora exausta, justamente por isso não estava se preocupando em transmitir palavras mentais – e então sua mente ficara receptiva. Era diferente de um elo mental, onde um canal era estabelecido com cuidado e preparo. Seria impossível manter uma conversação, pois ela só conseguiria “ouvir” quando não estivesse “falando.” Praticamente uma burocracia mental, e Charya sorriu com o canto da boca enquanto Azif e Dova continuavam a discutir sobre as pistas soltas no aposento, e sobre os bandoleiros da região. Provavelmente também não foi por acaso que ouvi os pensamentos de Dova – ela é uma catalisadora. Tudo em nossos poderes fica mais fácil com ela por perto. Espíritos do Ermo, rezou Charya por dentro, é quase como se ela fosse um ídolo de meditação, um totem, um fetiche, um amuleto vivo.
Uma mistura de inveja e carinho tomou Charya enquanto observava Dova. A mocinha notou a atenção, e ia dizer alguma coisa quando Berya apareceu na porta abaulada da alcova, segurando na mão direita o cubo de cristal anão.
“Eles saíram pelo subterrâneo. Nosso pequeno amigo indicou-me a entrada... e morreu.” Jogou o cubo sem brilho no chão, o rosto tentando aparentar indiferença, mas Charya percebeu no ar o pensamento errante da Prodígio Azul, “foi como torturar uma pessoa. Ou uma criança. Não quero fazer isso nunca mais.”
A Prodígio Vermelha engoliu fundo e a saliva desceu com um gosto amargo. Ela a havia instruído a fazer o serviço, então era a responsável. Seria seu fardo maior do que o da própria Berya?
terça-feira, 6 de março de 2012
PSICOMAQUIA
O Episódio 26 da SAGA DOS PRODÍGIOS se apresenta antes do tempo...
ALIENÍGENAS. SIMBIONTES. DEUSES. Você não se cansa disso tudo, Lacernos?
A voz projetada na mente do Barão Darin Lacernos antes era “ouvida” uma oitava acima do normal; agora a voz era mais grave e distinta, e nela havia uma nota de exaustão. Lacernos manteve os olhos fechados – abri-los causaria vertigem enquanto ele comungava com o kobold – e continuou segurando com firmeza a lasca de cristal anão no fundo do bolso de suas calças brancas. Pensou em réplica, Não quando nós podemos ser os deuses. Não foi isso que você me prometeu, Mordekai?
Ah. Finalmente admitiu me chamar pelo nome, respondeu a voz satisfeita do kobold. O problema é seu se gosta de assumir a identidade do seu antigo mestre; continuou Lacernos dentro da própria mente, não sou eu que estou iludindo a mim mesmo... e espero que você não ME iluda.
Nem cogitaria isso. Ao contrário dessa minha encarnação anterior na carne, nossa relação é uma parceria lucrativa. Não sou seu escravo, e nem você é manipulado por mim. Lacernos perambulou pela cripta observando o corpo inconsciente de Manyu Daury, atendido pela dra. Urizen. Cada ponto daquele refúgio era seu conhecido e ele podia perfeitamente deslocar-se ali no escuro, quanto mais de olhos propositalmente fechados e sem nenhuma ameaça imediata por perto. Veja bem, caro Mordekai. Você me disse que o rapaz poderia ser preparado para envergar um uniforme-paradoxo, mesmo que tenha passado da idade. Pois ele está desacordado há horas. O que está acontecendo?
Veja bem, soou a voz mental do kobold, os paradoxos terracota usados pela maioria do Povo Neander constituem apenas a casta mais baixa possível entre os simbiontes paradoxo. Se forem implantados num humano como você e ele, que já passaram pela puberdade, vocês sofreriam uma morte excruciante. Felizmente o material da tearcubadora é de extrema qualidade, e os conhecimentos que o Mordekai anterior recebeu dos Alienígenas me permitem contornar essas restrições. Humanos dotados de paranormalidade latente podem se unir a um paradoxo, caso sejam estimulados apropriadamente. Sua amiga Urizen pode criar a seguinte variação do composto 151 do Livro Secreto de Vincent...
“Pare,” falou Lacernos em voz alta, atraindo o olhar da dra. Urizen, que logo voltou a vigiar Manyu. Você já repetiu esse discurso umas três vezes. Está com algum defeito? Foi exatamente o que me disse quando nos encontramos pela primeira vez, na Torre Azul. A voz do kobold foi ouvida novamente dentro da mente de Lacernos, desta vez no tom agudo ao qual o barão havia se acostumado, Desculpe, estou cansado. Nós... relíquias de eras passadas... sobrevivemos de energia vital de nossos... “donos” para continuar funcionando. E eu tenho trabalhado muito, Lacernos. É apenas natural que alguns erros surjam. Eu sou... antigo, compreende?
Com a outra mão, Lacernos coçou a face um tanto enrugada. Perfeitamente. Entendo perfeitamente. Então, se o tal composto funciona como você diz, qual a razão... a voz do kobold voltou ao novo padrão e interrompeu, Creio que ele sofreu algum choque quando estimulamos suas capacidades latentes. Mas ele vai acabar se recuperando, e nesse ponto poderemos proceder à união. As sugestões murmuradas por você e por Urizen enquanto ele está em transe vão deixá-lo vulnerável ao nosso domínio, e principalmente eu poderei transmitir toda a minha programação – minha essência, em palavras que você possa entender – para os cristais do uniforme que estamos preparando, e quando isto acontecer poderei controlar não só a mente do rapaz como toda a malha viva do paradoxo. Nesse momento poderei geminar – e passarei a você uma cria de uniforme feita sob medida para você, com quem andei durante esses dias. E é por isso que você NÃO pode me tirar do bolso, ou de sua aura pessoal. Eu preciso do máximo de familiaridade.
Mordekai... a voz de Lacernos retomou, quando o kobold fez uma pausa. Você mais uma vez está se repetindo. Diga-me uma coisa, se você prefere energia vital humana, será que...
No outro cômodo da cripta, Grassi sussurrava preces aos deuses. Talvez imaginasse que tudo aquilo era uma blasfêmia, mas era subordinado do Barão, não sobreviveria fora da gangue, estava sendo praticamente obrigado... e pedia perdão às divindades da Terra Castanha por cooperar com aquelas ideias absurdas de criar novos deuses. Infelizmente para Grassi, a súplica de perdão pelos pecados do seu Barão não chegou ao final: sentiu um toque frio no pescoço, uma ardência quase paradoxal nas veias e caiu morto.
Satisfeito agora, Mordekai? Lacernos caminhou para fora do cômodo, ainda mantendo os olhos fechados o tempo todo. A voz do kobold ecoou estranhamente parecida com a de Grassi:
Muito, Barão. Ao menos por enquanto.
ALIENÍGENAS. SIMBIONTES. DEUSES. Você não se cansa disso tudo, Lacernos?
A voz projetada na mente do Barão Darin Lacernos antes era “ouvida” uma oitava acima do normal; agora a voz era mais grave e distinta, e nela havia uma nota de exaustão. Lacernos manteve os olhos fechados – abri-los causaria vertigem enquanto ele comungava com o kobold – e continuou segurando com firmeza a lasca de cristal anão no fundo do bolso de suas calças brancas. Pensou em réplica, Não quando nós podemos ser os deuses. Não foi isso que você me prometeu, Mordekai?
Ah. Finalmente admitiu me chamar pelo nome, respondeu a voz satisfeita do kobold. O problema é seu se gosta de assumir a identidade do seu antigo mestre; continuou Lacernos dentro da própria mente, não sou eu que estou iludindo a mim mesmo... e espero que você não ME iluda.
Nem cogitaria isso. Ao contrário dessa minha encarnação anterior na carne, nossa relação é uma parceria lucrativa. Não sou seu escravo, e nem você é manipulado por mim. Lacernos perambulou pela cripta observando o corpo inconsciente de Manyu Daury, atendido pela dra. Urizen. Cada ponto daquele refúgio era seu conhecido e ele podia perfeitamente deslocar-se ali no escuro, quanto mais de olhos propositalmente fechados e sem nenhuma ameaça imediata por perto. Veja bem, caro Mordekai. Você me disse que o rapaz poderia ser preparado para envergar um uniforme-paradoxo, mesmo que tenha passado da idade. Pois ele está desacordado há horas. O que está acontecendo?
Veja bem, soou a voz mental do kobold, os paradoxos terracota usados pela maioria do Povo Neander constituem apenas a casta mais baixa possível entre os simbiontes paradoxo. Se forem implantados num humano como você e ele, que já passaram pela puberdade, vocês sofreriam uma morte excruciante. Felizmente o material da tearcubadora é de extrema qualidade, e os conhecimentos que o Mordekai anterior recebeu dos Alienígenas me permitem contornar essas restrições. Humanos dotados de paranormalidade latente podem se unir a um paradoxo, caso sejam estimulados apropriadamente. Sua amiga Urizen pode criar a seguinte variação do composto 151 do Livro Secreto de Vincent...
“Pare,” falou Lacernos em voz alta, atraindo o olhar da dra. Urizen, que logo voltou a vigiar Manyu. Você já repetiu esse discurso umas três vezes. Está com algum defeito? Foi exatamente o que me disse quando nos encontramos pela primeira vez, na Torre Azul. A voz do kobold foi ouvida novamente dentro da mente de Lacernos, desta vez no tom agudo ao qual o barão havia se acostumado, Desculpe, estou cansado. Nós... relíquias de eras passadas... sobrevivemos de energia vital de nossos... “donos” para continuar funcionando. E eu tenho trabalhado muito, Lacernos. É apenas natural que alguns erros surjam. Eu sou... antigo, compreende?
Com a outra mão, Lacernos coçou a face um tanto enrugada. Perfeitamente. Entendo perfeitamente. Então, se o tal composto funciona como você diz, qual a razão... a voz do kobold voltou ao novo padrão e interrompeu, Creio que ele sofreu algum choque quando estimulamos suas capacidades latentes. Mas ele vai acabar se recuperando, e nesse ponto poderemos proceder à união. As sugestões murmuradas por você e por Urizen enquanto ele está em transe vão deixá-lo vulnerável ao nosso domínio, e principalmente eu poderei transmitir toda a minha programação – minha essência, em palavras que você possa entender – para os cristais do uniforme que estamos preparando, e quando isto acontecer poderei controlar não só a mente do rapaz como toda a malha viva do paradoxo. Nesse momento poderei geminar – e passarei a você uma cria de uniforme feita sob medida para você, com quem andei durante esses dias. E é por isso que você NÃO pode me tirar do bolso, ou de sua aura pessoal. Eu preciso do máximo de familiaridade.
Mordekai... a voz de Lacernos retomou, quando o kobold fez uma pausa. Você mais uma vez está se repetindo. Diga-me uma coisa, se você prefere energia vital humana, será que...
No outro cômodo da cripta, Grassi sussurrava preces aos deuses. Talvez imaginasse que tudo aquilo era uma blasfêmia, mas era subordinado do Barão, não sobreviveria fora da gangue, estava sendo praticamente obrigado... e pedia perdão às divindades da Terra Castanha por cooperar com aquelas ideias absurdas de criar novos deuses. Infelizmente para Grassi, a súplica de perdão pelos pecados do seu Barão não chegou ao final: sentiu um toque frio no pescoço, uma ardência quase paradoxal nas veias e caiu morto.
Satisfeito agora, Mordekai? Lacernos caminhou para fora do cômodo, ainda mantendo os olhos fechados o tempo todo. A voz do kobold ecoou estranhamente parecida com a de Grassi:
Muito, Barão. Ao menos por enquanto.
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segunda-feira, 5 de março de 2012
MESTRES OU MONSTROS
Voltamos à SAGA DOS PRODÍGIOS em seu Episódio 25:
EURO ERA MOVIDO POR UM ÍMPETO jamais sentido antes. Havia uma vontade incansável que o levava a esmurrar aquela abominação daath. A gigantesca aranha parecia bastante ferida, mas Euro não conseguia sentir piedade do monstro. Mais um estrondoso murro nos palpos daquele demônio, e ela deveria cair.
E sem dúvida ela caiu. Euro praticamente dilacera a face da aranha com um soco, e sua aliada de vermelho, Charya, agora vestindo uma armadura crustácea e empunhando uma katana de duas mãos, a crava logo em seguida no cefalotórax do inimigo. Agressões suficientes para derrubar o demônio do Ermo de uma vez por todas.
E sobre o cadáver do monstro que estrebucha, uma forma espectral se ergue, flutuando como se debaixo d'água, um rapaz de olhar ensandecido, envolto numa aura de um verde doentio. NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO, é o brado que invade a mente dos cinco Prodígios, e a aparição some como se nunca tivesse estado ali.
Reação automática, um calafrio e uma fraqueza súbita abate o grupo, e seus uniformes-paradoxo retornam – dolorosamente – às suas formas anteriores. Embora à primeira vista a quem menos sofreu com as mutações repentinas, Dova ajoelha-se no chão, quase sucumbindo à posição fetal. Euro consegue abrir os olhos com mais nitidez e segura a Prodígio Branca pelo ombro, “Calma, você vai ficar melhor.” Desde que haviam saído do coma, Euro começara a sentir-se protetor com relação a Dova.
A mocinha levanta o rosto molhado de lágrimas e sangue de aranha, e tenta gritar mas a voz sai débil, “Não o reconheceu, Euro? Era meu irmão... Manyu! Mas ele está morto, morto, era um fantasma, um narakami.” O pouco que Azif conhecia da religião dalai tsu incluía os mitos dos narakami, espécie de demônios do Ermo que seriam na verdade almas em tormento, presas ao Ermo como aparições incorpóreas ou possuindo o corpo das feras que vagavam por ali. O Prodígio Negro recuperou suas forças, levantou-se a ajudou Euro a levantar Dova, murmurando suave, “Ele já se foi, deve ter se unido aos seus ancestrais.”
Berya havia permanecido em pé o tempo todo, estupefata, paralisada; e Charya tocou a fronte, tentando expulsar a dor de cabeça, notando que o elo mental havia desaparecido; os Prodígios não estavam mais mentaligados. Não fui forte o suficiente, pensou a moça, tanta dor, mas eu deveria ter segurado as pontas. Agora, só depois de meditar e dormir para recuperar a ligação. A voz de Berya, mais alta que os sussurros dos outros, interrompeu seus pensamentos, “Modo Brutal.”
“Sim,” continuou a Prodígio Azul, recitando cada palavra com firmeza, como se fosse um discurso decorado, “derrotamos uma aranha gigante com poucos golpes, seria praticamente impossível fazer algo assim antes. Este é o Modo Brutal dos uniformes-paradoxo, era como meu pai chamava um segundo estágio dos paradoxos. Uma teoria apenas, mas que está se provando verdadeira... e consigo me lembrar melhor de como meu pai falava da tearcubadeira, dos vislumbres vindos dos novos deuses, de suas hipóteses xenogoéticas... era um de seus objetivos, além de espalhar a devoção aos Alienígenas, criar uma elite que vestisse paradoxos brutais, a partir das sátrapas que o deviam lealdade. E eu seria a Soberana das Sátrapas... com toda certeza manipulada por ele... mas agora ele está morto...”
Charya pensou em uma série de perguntas aflitas quanto a alguns termos da fala de Berya, mas em vez disso retomou a compostura e perguntou, “E quanto à tearcuba? Você a destruiu na noite em que se uniu ao paradoxo?”
“Tenho certeza de que não,” respondeu Berya. “Mas há ainda algumas coisas que não lembrava, essa tearcubadeira foi em parte formada pelo kobold da Torre Azul.”
“Kobold?” fez Azif, enquanto segurava um braço de Dova, “não são ídolos de cristal anão que enfeitam as casas da aristocracia da Terra Castanha?” Berya assentiu com a cabeça, “Nem todos os cristais são kobold, esses são usados pelas servocratas que cuidam de propriedades importantes, para administrar e proteger a residência. Como lidar com eles é coisa que poucos sabem, e na verdade imagino que podem ser perigosos... o que cuidava de nossa casa às vezes repreendia a própria servocrata, causando tonturas quando ela agia de forma incompetente. E ouvi criados sussurrarem que o nosso kobold às vezes era malicioso.”
“Os nômades contam que as casas dos sacerdotes da Terra Castanha são assombrados por espíritos malignos,” raciocinou Charya, “talvez se refiram a esses kobold. De qualquer forma, há outra coisa também... Dova.”
A menina de branco soltou-se dos braços que a seguravam e enxugou os olhos, fitando Charya. “Dova, você presenciou a morte do seu irmão?”
“Não... mas os zelotes gabaram-se de ter matado a todos.” Charya respondeu com firmeza tranquilizadora, “Pare de chorar, e lembre-se do momento em que ele surgiu diante de nós: você é uma catalisadora. ELE ESTAVA VIVO?”
Dova respirou fundo e tentou deixar de lado os restos do desespero que a havia tomado quando viu o fantasma de Manyu. Como uma catalisadora psíquica, Dova podia intuir e curar; podia sentir energia vital. E ela havia se deixado enganar pelo pânico e pelas crenças de sua família: definitivamente aquela aparição tinha uma centelha de vida. Não era um narakami. “Sim...” um sorriso lhe dominou o rosto, e a aurora boreal do Ermo começou a raiar no horizonte. “Ele está vivo!”
Agora é só manter em segredo, por enquanto, de como eu sabia que ele está vivo, pensou Charya. Se eles souberem que eu estive do mesmo modo, flutuando naquele estado espectral, enquanto durou o coma, podem acabar descobrindo o que o Grão-Mestre fez enquanto estávamos desacordados. Eles vão ter que saber, mas não agora. Não no meio do Ermo, e a missão é mais importante que o próprio Grão-Mestre que a ordenou.
Fídias Bendante é que terá uma surpresa, quando retornarmos...
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sábado, 3 de março de 2012
ETERNO RETORNO, BRUTAL RETORNO
Depois de vários meses, a SAGA DOS PRODÍGIOS retorna em seu Episódio 24...
A SITUAÇÃO PARECIA AO MESMO TEMPO DESESPERADORA e fácil de resolver. A aranha gigante não reagia bem aos golpes dos Prodígios, e logo seria derrotada. Em contrapartida, e era isto com que Charya se preocupava, Euro e Azif a enfrentavam trajando a brutal variação do uniforme-paradoxo que usaram quando estavam presos dentro da mente da Prodígio Vermelha – coisa que ela pensou ser apenas parte daquele sonho coletivo.
O sonho se tornava ainda mais realidade: o uniforme de Berya, ao seu lado, se modificava assumindo o aspecto de uma carapaça azulada, e a novata retirou uma segunda espada curta do antebraço. Logo um fogo elétrico irrompeu das duas espadas unidas e atingiu a aranha daath a metros de distância. Bem, as ameaças imediatas primeiro, pensou Charya, e fez um sinal telepático a Dova para que com ela avançassem contra o inimigo monstruoso.
A mocinha fez uma série de piruetas evitando os pontos mais perigosos daquele terreno e saltando de modo a alcançar primeiro a aranha gigante; e nesse movimento seu uniforme-paradoxo ia mudando, retraindo-se para revelar os ombros nus de Dova, e o báculo nas mãos da garota se transformava num longo cajado. O novo e brutal armadoxo da Prodígio Branca finalizou sua manobra, desferido com audácia e precisão contra a daath.
Charya tentava não repassar pelo elo mental sua sensação de surpresa com tudo aquilo; e a sensação se tornou ainda mais forte quando o calor tomou conta de seu corpo, o suor invadiu primeiro sua testa, depois todo seu corpo, até por baixo do uniforme simbionte, e uma quase fraqueza e náusea a fez estacar, paralisada diante dos quatro amigos atacando a aranha.
O suor aumentou causando uma coceira forte na pele de Charya; ela engoliu em seco e sentiu o elo mental desaparecer, depois a cena diante de si perdeu sentido, só ela existia, ela se recusava a estar ligada a qualquer coisa, enquanto sentia aquilo; a coceira evoluiu para uma sensação de prazer, e Charya apertou com força o cabo de sua katana armadoxo.
Foi quando o mundo se desfez diante de si, e mais uma vez Charya perdeu-se dentro de sua própria mente. Memórias corriam e voltavam, o rosto de um homem severo, uma voz dizendo, “Barão, barão...” uma fuga desesperada pelo deserto... sua quase morte no Ermo da Condenação e seu resgate pelo Grão-Mestre Bendante e seus filhos. E de repente as memórias tão vívidas dão um salto, e Charya vê a si mesmo deitada, seus quatro amigos deitados ao seu lado, na caverna dos contrabandistas, e Anisha ali cuidando deles. Bendante pede a Anisha que vá cuidar dos suprimentos em falta, e fica sozinho com os cinco Prodígios desacordados.
Charya sentia-se como uma presença incorpórea elevada logo acima de seu próprio corpo. O Grão-Mestre erguia a cabeça de Azif e abria seus olhos com uma pinça. Depois chegava o rosto mais perto e recitava algumas palavras, que Charya a princípio pensou serem de conforto. Mas não, Bendante pronunciava, “Fique perto de Charya e Dova... deixe Euro e Berya de lado... fique perto de Charya e Dova... deixe Euro e Berya de lado...” repetindo várias vezes.
Assombrada a moça viu o pai de Azif repetir essas palavras num estentor hipnótico, várias vezes, diante do rapaz em coma; e depois passou ao rosto da própria Charya, abriu-lhe um dos olhos com a pinça, e recitava: “Você é uma arma, você é um paradoxo, você rasga seus inimigos e é empunhada por Dova; você é parte de Dova. Você é uma arma, você é um paradoxo, você rasga seus inimigos...” várias e várias vezes, até que Charya não aguentou, rompendo a inércia do transe lethean e movida pela raiva, naquele estado espectral tentou atacar o Grão-Mestre e impedir aquela loucura.
Fechou os olhos de raiva, segurando a katana com as duas mãos, e ao fazê-lo rompeu o transe – mais uma vez, Charya envergava o modo brutal de seu uniforme-paradoxo, só que agora era tudo verdade, ela estava acordada como jamais estivera, e a armadura crustácea que cobria seu corpo não impedia seus movimentos nem a vontade de rasgar em duas aquela aranha maldita, só para descontar a vontade que tinha de punir o Grão-Mestre Bendante.
Com a katana de dois gumes nas mãos, a Prodígio Vermelha marchou para ajudar seus amigos a finalizar a morte daquele monstro.
Compilações das fases anteriores da SAGA DOS PRODÍGIOS
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quinta-feira, 29 de setembro de 2011
O ESPECTRO DA CRIPTA
O Episódio 23 da SAGA DOS PRODÍGIOS aparece após tanto tempo...
“Estamos há três dias tentando, barão. Ele não parece reagir muito, está só ficando mais doidão.” A voz de um daqueles que havia resgatado Manyu, um homem magrelo e tatuado chamado Grassi, fez-se ouvir perto do ouvido esquerdo do rapaz. As percepções do jovem estavam em rápida mutação e ele sentia – era bizarro e inacreditável – a textura barba por fazer de Grassi vir junto com seu hálito um tanto desagradável.
Outra voz, feminina, interrompeu Grassi, “Bobagem. Li todos os detalhes do Livro Secreto de Vincent, o Vulto, e estou lendo todos os sinais que ele passa, então na verdade posso dizer que estamos na cúspide da...” A voz se desfazia misturada com sons que vinham com os fachos de luz – os sentidos de Manyu Daury eram um turbilhão, atiçado pelo cheiro dos incensos, pelas beberagens que lhe obrigaram a tomar, pelos três dias em isolamento no escuro, intercalado por clarões como aquele. A voz interrompida não era de alguém do pequeno grupo que trouxera Manyu a Lacernos, e sim de uma mulher que vivia naquela cripta e pouco saía.
“Não precisa explicar tudo ao garoto, dra. Urizen,” disse Lacernos, “quero que tudo seja o mais espontâneo possível; o menino vai ter que nos ajudar a ligar a máquina. Ele tem uma dívida para com nós. Não é mesmo, Manyu-zal?”
Zal. A contraparte do pronome de tratamento zul. Seu feminino é zala. Significado literal: laço, elo. Uso: pessoas da mesma família. As lições de gramática do velho Nehru Daury se repetiam, indeléveis, nos ouvidos de seu neto Manyu, atrapalhando o entendimento das falas dos bandoleiros ao seu redor. A base do Barão Darin Lacernos – assim era como ele pomposamente se apresentara quando conheceu Manyu – não ajudava em nada, com sua acústica ecoante. Pelo contrário, deixava o rapaz a ponto de enlouquecer.
Naquele momento ele desejou ter sua irmã perto de si. Não sabia o que havia acontecido com ela. Um trecho de uma fala de Lacernos conseguiu atingir seus ouvidos, “...cavalgar uma aranha daath seria uma boa...”, e a palavra daath soava pesada como água entrando nos tímpanos e causando dor de cabeça. De repente, tudo mudou.
A visão de Manyu era agora clara e nítida, mas... diferente do que ele jamais sentiu. Era como se ele tivesse múltiplos olhos; podia enxergar de diversos ângulos diferentes; e o que enxergava certamente não era mais a cripta no subterrâneo do Nomo das Torres, onde estava aprisionado.
Enxergava a paisagem deplorável do Ermo da Condenação.
Sentia também seus pés mergulhados em parte numa areia fofa e úmida – com ênfase em pés: muitos pés, muitos pares de pés. Mas todo esse estrondo de novas percepções foi cruelmente interrompido por um pé dourado que vinha na direção de Manyu, batendo com um impacto fortíssimo. Ele havia recebido uma voadora direto na barriga – ou seria nas costas? As impressões sensoriais eram confusas.
Manyu teve pouco tempo para aproveitar seus novos oito pontos de vista; em pouco tempo o agressor dourado esmagava alguns de seus olhos, e Manyu em meio a dor percebia que era um neander vestido com alguma armadura estranha. Tentou revidar de alguma forma, mas outro ponto de seu novo corpo fora atingido – agora uma de suas gigantescas patas fora cortada fora!
Enquanto o assassino vestido de negro recuperava o alfange que o havia mutilado, Manyu pensou em destruir a ambos – sabia que tinha poder para isso, mesmo tendo sido tantas vezes atingido. Era uma sensação muito parecida com um instinto, vinha do fundo de sua mente, ou de algo abaixo de sua mente.
Mas antes que conseguisse fazer algo, ficou paralisado – lá estava ela, do lado de uma moça de azul e outra de vermelho, sua irmã Dova.
Pensou em pedir ajuda, mas as palavras não saíam da boca. E Dova parecia estar do lado de seus agressores, porque ela e a de vermelho ladeavam e apoiavam aquela... criatura de azul que antes era uma moça, agora coberta de placas quitinosas e olhos brilhantes, tudo em diferentes tons de azul... uma criatura que ergueu suas mãos – nelas haviam duas espadas curtas, de um metal brilhante – e as uniu criando um relâmpago de fogo azul que foi certeiro atingir o corpo aracnídeo que Manyu habitava.
O espectro do rapaz, que habitava a daath por meio de alguma feitiçaria desconhecida, não conseguia fugir, nem revidar. Ainda mais quando Dova executou uma incrível acrobacia e veio graciosa, ombros à mostra, numa postura de indiferença e agressividade jamais vista, com um cajado branco atacar o irmão dentro do corpo da aranha daath.
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terça-feira, 27 de setembro de 2011
DESPERTAR BRUTAL
A SAGA DOS PRODÍGIOS continua com seu Episódio 22:
AS TRÊS PRODÍGIOS CAMINHAVAM CAUTELOSAMENTE pela ravina, seguindo as indicações deixadas no terreno por Azif: um rastro óbvio ali, um grafito rabiscado no paredão crescente. Charya teve a impressão de que o rapaz encontrava-se nas bordas do alcance de sua telepatia – mas ainda assim o sentia com mais vividez do que podia detectar a presença de Euro.
Mais cedo, antes de saírem do acampamento contrabandista para a primeira missão designada pelo Grão-Mestre, Charya reuniu a todos e conseguiu estabelecer aquele elo telepático forte – ela ainda não sabia o quanto aquela ligação iria durar, mas seria útil tanto para comunicação quanto para coordenação em caso de batalha.
A maior dificuldade em estabelecer o elo havia sido com Berya (óbvio, dado que se conheciam há pouco tempo e a natureza um tanto retraída da Prodígio Azul) e – isso a preocupava – com Euro. Natural que sentisse Azif com mais força, já que guardavam dentro de si aquele amor não-concretizado, mas Euro parecia especialmente desfocado, desconectado... deprimido, talvez. Quanto a Dova, bem, a menina tornava tudo mais fácil, era uma catalisadora.
Charya a princípio imaginou que os acontecimentos durante a semana em coma haviam revelado a Euro mais sobre si mesmo do que ele gostaria de saber. As memórias vagas de ser uma espada – uma espada como a katana que empunhava naquele momento, enquanto as três desviavam-se das rochas que atravancavam o caminho – nas mãos de Dova mostravam a Charya uma luta sem sentido de Euro contra o próprio meio-irmão, e o murro descomunal que atingira a Prodígio Branca no rosto.
As cenas haviam acontecido dentro da mente da própria Charya, claro, mas a realidade daquilo tudo era inegável para os três combatentes, e a Prodígio Vermelha saboreava devagar o paradoxo de que, apesar dela também ter estado lá, na forma de espada, e de toda a aventura ter se desenrolado dentro daquele espaço em branco – espaço lethean, como o chamavam os neander – suas memórias eram mais tênues e ela não tinha noção direta do que havia acontecido com Berya e Euro.
Euro! De repente, aquela presença fraca do meio-neander, na orla extrema de sua percepção telepática, tornou-se vívida e pulsante – Charya enxergava sinestesicamente o ponto amarelo-claro virar um dourado reluzente, e sair apressado do alcance da mente da líder dos Prodígios.
Rápido! Vamos dar apoio a ele, soou a voz da Prodígio Vermelha na mente de Berya e Dova. Mas logo Charya percebeu que não tinha ideia do que poderiam enfrentar; e que talvez estivessem caindo numa armadilha; mas a ordem já havia sido dada, e não queria parecer indecisa.
Dova sentiu o cheiro de baunilha que era característico quando Charya tocava sua mente, uma pontada de medo, mas materializou seu armadoxo com facilidade e marchou para a frente na ravina onde antes Azif e Euro haviam se embrenhado. O báculo em sua mão servia não só para desferir golpes, como ajudava a focar sua intuição. Que diferença de quando tinha a “espada de Charya”, percebeu Dova, o descontrole de suas emoções naquela ocasião era evidente quando comparado à estabilidade que o báculo lhe fornecia.
Percebeu também de imediato que “ele” era Euro e não Azif; e algo também lhe dizia que precisava correr, correr como Euro havia feito – ela não havia visto nem ouvido a investida do meio-neander, mais à frente, mas sabia o que havia acontecido com ele, o elo telepático entre todos estabelecido por Charya aumentava tremendamente a empatia e a ligação que sentia com os outros Prodígios. É como se eles fossem minha verdadeira família, pensou Dova, e logo se arrependeu, lembrando do avô e do irmão Manyu. As cenas de quando fez a “cópia” do irmão em pedacinhos a estavam assombrando desde que despertara do coma.
Tentou ignorar a recordação e acompanhou as outras pela ravina, já ouvindo a voz de Azif gritar em sua mente, ecoada pelos poderes de Charya: Aranha gigante, demônio do Ermo, fardo que devemos suportar, cicatriz monstruosa dos erros de uma era passada, eu te exorcizo em nome da Rainha Mercúrio, que o Grande Goog me dê sabedoria na batalha, aquilo era uma prece, um mantra proferido em desespero mas solenidade. O tom apavorou Dova e reconfortou Berya – era idêntico ao tom dos sacerdotes da Terra Castanha.
Na planície negra, a terra fofa pelo húmus não atrapalhou em nada o ímpeto de corrida de Euro em direção à aranha azul – corria poucos centímetros acima do solo, sem ser impedido por nada em seu caminho. Os últimos passos da investida na verdade foram se tornando um grande salto, e de um salto uma voadora direto no grande abdômen do monstro, que recuou ferido e assustado pelo brilho dourado do ataque – era como se estivesse distraído e fosse pego de surpresa.
Aranhas daath não costumam ser desatentas assim, pensou Azif ao contemplar a cena, não são símbolos da vigilância incansável? O Prodígio Negro não perdeu muito tempo pensando após completar sua prece, e impeliu seu corpo pelo espaço na direção dos dois combatentes, buscando ajudar Euro a não ser trucidado pelo contra-ataque da aranha. O impulso arremeteu Azif para a frente, distorcendo o espaço e jogando-o direto para a planície de húmus.
Foi então que ali, a cerca de dez metros de Euro, notou o que havia acontecido com seu meio-irmão: besouros e outros insetos dourados enxameavam sobre seu uniforme-paradoxo, e antes que a daath pudesse reagir, Euro vestia novamente placas douradas sobre o uniforme amarelo, formadas a partir dos minúsculos insetos que o paradoxo havia liberado. Novamente, como havia sido no sonho coletivo há tão pouco tempo. Só que agora era tudo real.
Daquele ponto de vista Azif não conseguia enxergar o terrível terceiro olho na testa do Prodígio Amarelo, mas sabia que ele podia estar ali encimando uma tiara dourada, e alterando o comportamento de Euro como havia feito no espaço mental de Charya. Sacou a cimitarra do uniforme, pronto para intervir contra o próprio irmão se fosse preciso, de novo – mas agora havia a gigantesca aranha prendendo a atenção do “herói da Terra Castanha”, então era melhor ajudá-lo a matar o demônio do Ermo antes que algo pior acontecesse.
Aproveitando o atordoamento da aranha daath, Euro ergueu as descomunais manoplas douradas que agora cobriam suas mãos, ajustou melhor sua posição em volta do monstro e, de mãos entrelaçadas, golpeou os muitos olhos da aranha, esmagando alguns no processo.
Aliviado, Azif notou que o terceiro olho estava lá na testa de Euro, mas fechado. Empunhando a cimitarra que lhe serve de armadoxo, o Prodígio Negro sentiu de repente a presença de Dova correndo pela ravina em sua direção, e numa intuição profunda arremessou a cimitarra, girando contra a aranha, como nunca havia feito antes. A armadoxo rodou pelo ar como um bumerangue, cortando afiada uma das pernas articuladas do monstro, mas não retornou às mãos do dono – ao invés disso, foi o dono que se rematerializou com a cimitarra assim que esta fez seu estrago, num teleporte ainda mais espetacular pelo fato de que Azif reapareceu portando a máscara de gás e a musculatura artificial que havia sido característica do sonho compartilhado dentro da mente de Charya.
Quando virou a cimitarra na mão para dar-lhe balanço, sentiu-a mais pesada: durante o arremesso ela havia de alguma forma aumentado de tamanho, estava mais para um alfanje que uma cimitarra curta – forçando Azif a empunhá-la com as duas mãos.
Berya era um pouco mais rápida que as outras duas Prodígios e foi a primeira a chegar onde a ravina desembocava na planície negra. Uma mistura de excitação e horror tomou a Prodígio Azul; sentia uma energia incomum percorrer todo o seu corpo da cabeça aos pés, deixando seus cabelos arrepiados. Estacou bem onde o caminho pedregoso da ravina dava lugar ao húmus preto da planície, já com sua espada curta na mão. Quando as outras duas chegaram notaram de imediato como os olhos de Berya haviam se enchido de um azul profundo e de uma determinação intensa – como se ela fosse soberana de si, de tudo e de todos à sua volta.
AS TRÊS PRODÍGIOS CAMINHAVAM CAUTELOSAMENTE pela ravina, seguindo as indicações deixadas no terreno por Azif: um rastro óbvio ali, um grafito rabiscado no paredão crescente. Charya teve a impressão de que o rapaz encontrava-se nas bordas do alcance de sua telepatia – mas ainda assim o sentia com mais vividez do que podia detectar a presença de Euro.
Mais cedo, antes de saírem do acampamento contrabandista para a primeira missão designada pelo Grão-Mestre, Charya reuniu a todos e conseguiu estabelecer aquele elo telepático forte – ela ainda não sabia o quanto aquela ligação iria durar, mas seria útil tanto para comunicação quanto para coordenação em caso de batalha.
A maior dificuldade em estabelecer o elo havia sido com Berya (óbvio, dado que se conheciam há pouco tempo e a natureza um tanto retraída da Prodígio Azul) e – isso a preocupava – com Euro. Natural que sentisse Azif com mais força, já que guardavam dentro de si aquele amor não-concretizado, mas Euro parecia especialmente desfocado, desconectado... deprimido, talvez. Quanto a Dova, bem, a menina tornava tudo mais fácil, era uma catalisadora.
Charya a princípio imaginou que os acontecimentos durante a semana em coma haviam revelado a Euro mais sobre si mesmo do que ele gostaria de saber. As memórias vagas de ser uma espada – uma espada como a katana que empunhava naquele momento, enquanto as três desviavam-se das rochas que atravancavam o caminho – nas mãos de Dova mostravam a Charya uma luta sem sentido de Euro contra o próprio meio-irmão, e o murro descomunal que atingira a Prodígio Branca no rosto.
As cenas haviam acontecido dentro da mente da própria Charya, claro, mas a realidade daquilo tudo era inegável para os três combatentes, e a Prodígio Vermelha saboreava devagar o paradoxo de que, apesar dela também ter estado lá, na forma de espada, e de toda a aventura ter se desenrolado dentro daquele espaço em branco – espaço lethean, como o chamavam os neander – suas memórias eram mais tênues e ela não tinha noção direta do que havia acontecido com Berya e Euro.
Euro! De repente, aquela presença fraca do meio-neander, na orla extrema de sua percepção telepática, tornou-se vívida e pulsante – Charya enxergava sinestesicamente o ponto amarelo-claro virar um dourado reluzente, e sair apressado do alcance da mente da líder dos Prodígios.
Rápido! Vamos dar apoio a ele, soou a voz da Prodígio Vermelha na mente de Berya e Dova. Mas logo Charya percebeu que não tinha ideia do que poderiam enfrentar; e que talvez estivessem caindo numa armadilha; mas a ordem já havia sido dada, e não queria parecer indecisa.
Dova sentiu o cheiro de baunilha que era característico quando Charya tocava sua mente, uma pontada de medo, mas materializou seu armadoxo com facilidade e marchou para a frente na ravina onde antes Azif e Euro haviam se embrenhado. O báculo em sua mão servia não só para desferir golpes, como ajudava a focar sua intuição. Que diferença de quando tinha a “espada de Charya”, percebeu Dova, o descontrole de suas emoções naquela ocasião era evidente quando comparado à estabilidade que o báculo lhe fornecia.
Percebeu também de imediato que “ele” era Euro e não Azif; e algo também lhe dizia que precisava correr, correr como Euro havia feito – ela não havia visto nem ouvido a investida do meio-neander, mais à frente, mas sabia o que havia acontecido com ele, o elo telepático entre todos estabelecido por Charya aumentava tremendamente a empatia e a ligação que sentia com os outros Prodígios. É como se eles fossem minha verdadeira família, pensou Dova, e logo se arrependeu, lembrando do avô e do irmão Manyu. As cenas de quando fez a “cópia” do irmão em pedacinhos a estavam assombrando desde que despertara do coma.
Tentou ignorar a recordação e acompanhou as outras pela ravina, já ouvindo a voz de Azif gritar em sua mente, ecoada pelos poderes de Charya: Aranha gigante, demônio do Ermo, fardo que devemos suportar, cicatriz monstruosa dos erros de uma era passada, eu te exorcizo em nome da Rainha Mercúrio, que o Grande Goog me dê sabedoria na batalha, aquilo era uma prece, um mantra proferido em desespero mas solenidade. O tom apavorou Dova e reconfortou Berya – era idêntico ao tom dos sacerdotes da Terra Castanha.
Na planície negra, a terra fofa pelo húmus não atrapalhou em nada o ímpeto de corrida de Euro em direção à aranha azul – corria poucos centímetros acima do solo, sem ser impedido por nada em seu caminho. Os últimos passos da investida na verdade foram se tornando um grande salto, e de um salto uma voadora direto no grande abdômen do monstro, que recuou ferido e assustado pelo brilho dourado do ataque – era como se estivesse distraído e fosse pego de surpresa.
Aranhas daath não costumam ser desatentas assim, pensou Azif ao contemplar a cena, não são símbolos da vigilância incansável? O Prodígio Negro não perdeu muito tempo pensando após completar sua prece, e impeliu seu corpo pelo espaço na direção dos dois combatentes, buscando ajudar Euro a não ser trucidado pelo contra-ataque da aranha. O impulso arremeteu Azif para a frente, distorcendo o espaço e jogando-o direto para a planície de húmus.
Foi então que ali, a cerca de dez metros de Euro, notou o que havia acontecido com seu meio-irmão: besouros e outros insetos dourados enxameavam sobre seu uniforme-paradoxo, e antes que a daath pudesse reagir, Euro vestia novamente placas douradas sobre o uniforme amarelo, formadas a partir dos minúsculos insetos que o paradoxo havia liberado. Novamente, como havia sido no sonho coletivo há tão pouco tempo. Só que agora era tudo real.
Daquele ponto de vista Azif não conseguia enxergar o terrível terceiro olho na testa do Prodígio Amarelo, mas sabia que ele podia estar ali encimando uma tiara dourada, e alterando o comportamento de Euro como havia feito no espaço mental de Charya. Sacou a cimitarra do uniforme, pronto para intervir contra o próprio irmão se fosse preciso, de novo – mas agora havia a gigantesca aranha prendendo a atenção do “herói da Terra Castanha”, então era melhor ajudá-lo a matar o demônio do Ermo antes que algo pior acontecesse.
Aproveitando o atordoamento da aranha daath, Euro ergueu as descomunais manoplas douradas que agora cobriam suas mãos, ajustou melhor sua posição em volta do monstro e, de mãos entrelaçadas, golpeou os muitos olhos da aranha, esmagando alguns no processo.
Aliviado, Azif notou que o terceiro olho estava lá na testa de Euro, mas fechado. Empunhando a cimitarra que lhe serve de armadoxo, o Prodígio Negro sentiu de repente a presença de Dova correndo pela ravina em sua direção, e numa intuição profunda arremessou a cimitarra, girando contra a aranha, como nunca havia feito antes. A armadoxo rodou pelo ar como um bumerangue, cortando afiada uma das pernas articuladas do monstro, mas não retornou às mãos do dono – ao invés disso, foi o dono que se rematerializou com a cimitarra assim que esta fez seu estrago, num teleporte ainda mais espetacular pelo fato de que Azif reapareceu portando a máscara de gás e a musculatura artificial que havia sido característica do sonho compartilhado dentro da mente de Charya.
Quando virou a cimitarra na mão para dar-lhe balanço, sentiu-a mais pesada: durante o arremesso ela havia de alguma forma aumentado de tamanho, estava mais para um alfanje que uma cimitarra curta – forçando Azif a empunhá-la com as duas mãos.
Berya era um pouco mais rápida que as outras duas Prodígios e foi a primeira a chegar onde a ravina desembocava na planície negra. Uma mistura de excitação e horror tomou a Prodígio Azul; sentia uma energia incomum percorrer todo o seu corpo da cabeça aos pés, deixando seus cabelos arrepiados. Estacou bem onde o caminho pedregoso da ravina dava lugar ao húmus preto da planície, já com sua espada curta na mão. Quando as outras duas chegaram notaram de imediato como os olhos de Berya haviam se enchido de um azul profundo e de uma determinação intensa – como se ela fosse soberana de si, de tudo e de todos à sua volta.
TEIAS DE FOGO AZUL
Arthur Ferreira Jr.'. retoma a SAGA DOS PRODÍGIOS em seu Episódio 21:
UMA ENORME ARANHA DE PELOS AZULADOS escalava a parede úmida da cripta, indo em direção a uma teia na junção das paredes com o teto, onde a esperava outra aranha, de tamanho bem menor.
O olhar de Manyu Daury já tinha a tendência de vagar pelos cantos, exasperando qualquer interlocutor, e aquela aranha azul definitivamente capturava sua atenção enquanto o homem vestido de branco à sua frente tentava impressioná-lo com seu discurso – a aranha estava a um metro e meio de distância dele, calculou Manyu, se o resultado da hipotenusa estiver correto, pensou o rapaz.
“Entende que você me deve a vida, certo...? Nós os salvamos da morte na mão dos zelotes. Digo nós porque eu sou o líder do grupo que o salvou, e digo que você deve a vida a mim, mais uma vez, porque eu sou o líder.”
Manyu desfocou sua atenção na aranha, que já ia atingindo a teia, e voltou-a para o homem de branco, que sorria maquiavelicamente. “Isso quer dizer que agora você é meu líder... é isso?” O outro assentiu com ar condescendente.
“Também quer dizer que faço parte do bando agora?” Distraído, quase fleumático, Manyu Daury não estava acostumado a sentir medo – quase nada quando os zelotes o atacaram, semanas atrás. Mas aquele homem o dava calafrios quando prolongava muito o fim de cada frase ou pergunta.
“Er... não.” Em algum lugar da cripta, ouviram-se pigarros. Aquele canto estava iluminado por velas dispostas num padrão qualquer, no chão (por que no chão? perguntava-se Manyu), de modo que o outro extremo da extensa cripta estava preenchido de sombras, onde o jovem Daury sabia que ocultavam-se o bando de Lacernos.
Lacernos era o homem de vestes brancas, que Manyu sabia apenas, até agora, ser líder de um bando de criminosos operante no Nomo das Torres. “Não. Você vai ser meu subordinado direto... vai trabalhar aqui.” A voz de Lacernos era ao mesmo tempo rude e afável.
“Aqui...? E o que tem demais nessa cripta?” Manyu também sabia estar numa cripta no subterrâneo do Nomo das Torres; mas não sabia exatamente onde, havia sido vendado pelos seus salvadores... ou captores, não fazia mais diferença alguma.
Também não fazia mais luz alguma, porque as velas haviam apagado de repente.
***
Uma enorme aranha de pelos azulados rastejava pela planície negra. Com mais de três metros de comprimento, uma daath podia ser cavalgada por alguém corajoso o suficiente para domá-la – ou seja, quase ninguém. Azif avistou a monstruosa figura movendo-se logo à frente, e agradeceu silenciosamente aos deuses da Terra Castanha por ela não tê-lo percebido.
Euro vinha mais atrás e Azif fez-lhe um gesto para que parasse ali mesmo. O meio-neander reagiu com uma cara de enfado, fazendo Azif imaginar por que demônios o seu irmão estava comportando-se daquele jeito desde o princípio da missão.
Teriam de esperar a aranha sair daquela seção do Ermo, para que pudessem passar. O Prodígio Negro concentrou-se e seu uniforme-paradoxo deformou-se sobre o rosto, criando lentes de metal escuro e resina de tom prateado. Um dos novos truques com conseguia fazer desde a semana em coma. Agora enxergava perfeitamente a aranha, mas perdia noção das coisas logo ao seu redor.
E foi assim que não percebeu de imediato que Euro passara por ele investindo em grande velocidade, os pés praticamente não tocando o chão pedregoso daquela ravina por onde haviam vindo. E em instantes o Prodígio Amarelo já estava na faixa de planície negra, pronto para lutar contra a gigantesca aranha azul... a mortífera daath.
O olhar de Manyu Daury já tinha a tendência de vagar pelos cantos, exasperando qualquer interlocutor, e aquela aranha azul definitivamente capturava sua atenção enquanto o homem vestido de branco à sua frente tentava impressioná-lo com seu discurso – a aranha estava a um metro e meio de distância dele, calculou Manyu, se o resultado da hipotenusa estiver correto, pensou o rapaz.
“Entende que você me deve a vida, certo...? Nós os salvamos da morte na mão dos zelotes. Digo nós porque eu sou o líder do grupo que o salvou, e digo que você deve a vida a mim, mais uma vez, porque eu sou o líder.”
Manyu desfocou sua atenção na aranha, que já ia atingindo a teia, e voltou-a para o homem de branco, que sorria maquiavelicamente. “Isso quer dizer que agora você é meu líder... é isso?” O outro assentiu com ar condescendente.
“Também quer dizer que faço parte do bando agora?” Distraído, quase fleumático, Manyu Daury não estava acostumado a sentir medo – quase nada quando os zelotes o atacaram, semanas atrás. Mas aquele homem o dava calafrios quando prolongava muito o fim de cada frase ou pergunta.
“Er... não.” Em algum lugar da cripta, ouviram-se pigarros. Aquele canto estava iluminado por velas dispostas num padrão qualquer, no chão (por que no chão? perguntava-se Manyu), de modo que o outro extremo da extensa cripta estava preenchido de sombras, onde o jovem Daury sabia que ocultavam-se o bando de Lacernos.
Lacernos era o homem de vestes brancas, que Manyu sabia apenas, até agora, ser líder de um bando de criminosos operante no Nomo das Torres. “Não. Você vai ser meu subordinado direto... vai trabalhar aqui.” A voz de Lacernos era ao mesmo tempo rude e afável.
“Aqui...? E o que tem demais nessa cripta?” Manyu também sabia estar numa cripta no subterrâneo do Nomo das Torres; mas não sabia exatamente onde, havia sido vendado pelos seus salvadores... ou captores, não fazia mais diferença alguma.
Também não fazia mais luz alguma, porque as velas haviam apagado de repente.
***
Uma enorme aranha de pelos azulados rastejava pela planície negra. Com mais de três metros de comprimento, uma daath podia ser cavalgada por alguém corajoso o suficiente para domá-la – ou seja, quase ninguém. Azif avistou a monstruosa figura movendo-se logo à frente, e agradeceu silenciosamente aos deuses da Terra Castanha por ela não tê-lo percebido.
Euro vinha mais atrás e Azif fez-lhe um gesto para que parasse ali mesmo. O meio-neander reagiu com uma cara de enfado, fazendo Azif imaginar por que demônios o seu irmão estava comportando-se daquele jeito desde o princípio da missão.
Teriam de esperar a aranha sair daquela seção do Ermo, para que pudessem passar. O Prodígio Negro concentrou-se e seu uniforme-paradoxo deformou-se sobre o rosto, criando lentes de metal escuro e resina de tom prateado. Um dos novos truques com conseguia fazer desde a semana em coma. Agora enxergava perfeitamente a aranha, mas perdia noção das coisas logo ao seu redor.
E foi assim que não percebeu de imediato que Euro passara por ele investindo em grande velocidade, os pés praticamente não tocando o chão pedregoso daquela ravina por onde haviam vindo. E em instantes o Prodígio Amarelo já estava na faixa de planície negra, pronto para lutar contra a gigantesca aranha azul... a mortífera daath.
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